30 de mar. de 2014

20:30. Chegou em casa depois de um dia cansativo no trabalho. Respirou fundo e foi deixando a mala pesada com tantos papéis no canto direito da mesa de vidro que fica na sala. Cristina foi ao seu encontro - um sorriso no rosto, uma espátula na mão - e disse que o jantar estaria pronto em uns 15 minutos. Ele lhe beijou docemente nos lábios, como sempre fazia assim que chegava. Ela voltou para a cozinha. Ele se sentou no sofá de couro branco e ligou a televisão. Estava na hora do jornal. Pegou o notebook preto da Dell e começou a trabalhar em alguns e-mails que tinha que enviar. Foi quando a ouviu:

"Chove nesta terça-feira em diversas áreas do país. No Rio de Janeiro, a cidade entrou em alerta por conta de possíveis alagamentos..."

Estava linda. Fazia tanto tempo desde a última vez que a tinha visto que tinha até se esquecido de como era bonita. Estava mais velha, mais madura, mais... mulherão. Cagava para o tempo na cidade, mas permanecia vidrado na garota do tempo, aquela jornalista que ele um dia havia conhecido tão bem. Se não fossem aqueles grandes olhos castanhos e aquela pinta no canto superior direito de sua boca, talvez nem a reconheceria direito. Mas ele conhecia cada parte daquele corpo; cada parte daquele rosto que o atormentara por anos. Nem ouviu quando a mulher o pedira ajuda para fazer a mesa.

Assim que terminou o jantar e ajudou a mulher com a louça, ele a fuxicou em uma rede social. Estava casada com um outro jornalista. Parecia feliz. E pensar que uma vez ele realmente havia acreditado que ele é quem seria o responsável pela sua felicidade. Mas eram crianças na época. Era uma paixão de criança. Uma paixonite. Pensou naquela festa de Halloween que fora e que havia ficado com a prima de sua melhor amiga, enquanto Milena estava em casa, doente. Era um babaca. Agora, deitado de bruço na cama, algumas horas depois, se deixou ficar perdido em pensamentos. Lembrou-se da última vez que a vira, há quase dez anos atrás. Na época, ela tinha acabado de fazer dezenove anos. Ainda era uma menina. Ele havia quebrado o coração dela em milhões de pedacinhos. Precisava correr atrás de sua felicidade e aquela menina não era o que um futuro advogado precisava. Ele precisava de amadurecimento e de certezas. Precisava de uma mulher. Por isso ficou com a Cristina. Ficou realmente surpreso de ver que ela conseguiu conquistar tudo aquilo que queria. Não que duvidasse de sua capacidade, mas simplesmente não conseguia ver a sua pequena como mulher. Mas teve um cara que viu. 

Ficou perdido no mundo imaginário do "E se" até umas quatro da manhã. Imaginou todos os cenários possíveis. Imaginou o que teria acontecido se ele não tivesse quebrado seu coração naquela noite chuvosa; imaginou o que teria acontecido se tivesse corrido atrás dela e não da Cristina; imaginou o que teria acontecido se fosse ela quem tivesse dito sim e se casado com ele. Coisas que a mente gosta de fazer só para te torturar. Olhou para a mulher deitada à seu lado. Fiel. Honesta. Ele não merecia ela e muito menos a Milena. Se levantou e caminhou, em silêncio, até o Dell que estava na sala.

Acabou adormecendo na frente do computador antes de mandar para Milena uma mensagem, a qual com certeza se arrependeria no dia seguinte, quando a coragem sonâmbula sumisse e desse espaço para o arrependimento amargo.

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