A HANNAH BAKER EM MIM

6 de abr. de 2017



Ontem a noite eu terminei de ver "13 Reasons Why", a série nova do Netflix que tá todo mundo comentando, e chorei que nem uma criança. A série conta a história de uma adolescente de 17 anos que se suicidou e o que a levou a cometer esse ato. Isso pode não ser novidade para quem me conhece e sabe que eu sou uma manteiga derretida (principalmente quando estou na TPM, como agora rs), mas a verdade é que não foi só o final que me deixou arrasada.

Eu já fui uma Hannah Baker.

Pra entender isso melhor, é preciso voltar quase uns 20 anos da minha vida. Eu nunca fui a menina mais bonita, mais legal ou mais popular do colégio. Tenho lembranças claras como o dia de perseguir os meninos no recreio para bater neles, por eles me chamarem de "bruxa". Lembro de tentar uma conversa mais diplomática com um deles (um menino gordinho e com cabelo "de capacete" que também era zoado, mas também me zoava). Lembro perfeitamente de perguntar se ele gostava quando chamavam ele de gordo, ele dizer que não, eu pedir pra ele então parar de me chamar de "bruxa", porque eu não curtia, e ele rir da minha cara, continuar me chamando e sair correndo de perto de mim. Nunca mais tentei conversar com alguém cuja missão era me ver chorar.

No começo do ensino fundamental, eu fui morar com o meu pai e comecei a estudar numa escola integral. Desde de manhã cedo até umas cinco da tarde, eu dividia a sala com várias pessoas numa escola que funcionava num sítio (tinha até cabra e pônei, pra vocês terem uma ideia). Lembro que, como criança é tudo idiota, fizeram listas e mais listas de quem era a mais bonita ou a mais feia da sala. Adivinhem onde eu tava? Pois é. Eu fingia ligar o dane-se, mas a verdade era que isso me incomodava profundamente – e, numa época quando a puberdade entra em ação e a menina começa a desenvolver uma relação com sua aparência, isso acabaria marcando a maneira como eu me relacionava com quem eu era. Foi por isso que, aos 11/12 anos, fiz a minha primeira progressiva.

No ano em que eu completaria 13 anos, eu mudei de escola. Um garoto que morava um andar acima do meu e estudava na escola-sítio também foi pra essa nova escola. No começo do ano letivo, lembro de estar bem animada. As pessoas me pareciam bem legais e eu me dava bem com todo mundo. Pena que isso duraria pouco tempo. É aquela coisa, né: alegria de pobre, dura pouco. Logo, uma menina um ano mais velha que eu e seu primo, resolveram que a missão deles seria fazer da minha vida um inferno. Como disse ali em cima, com quase 13 anos, a puberdade começou a aparecer e meu corpo passou por algumas mudanças. Meus peitos agora estavam começando a ganhar forma – e eu odiava usar sutiã. Além disso, desde pequena eu tinha uma certa tendência a curvar a coluna (o que fez a minha mãe me botar desde cedo no ballet. Não adiantou de nada). Conclusão: isso foi motivo suficiente para essa menina, esse primo e toda a turma começarem a me chamar de P(eito)C(aído). 

Foto antes de dedicarem os dias pra me fazerem chorar

Pode parecer coisa boba. Zoações sempre aconteceram – eu mesma sou prova viva delas. Mas não foi. Ninguém se sentava comigo. Ninguém queria ser meu amigo. Na hora de fazer os projetos de turma, eu era sempre a última escolhida. Me chamaram de PC até eu comprar um sutiã, rezando pra que isso fosse o suficiente pra eles me deixarem em paz. Não foi. Nada era. O meu vizinho (que foi parar na mesma turma que eu, mostrando claramente que o universo tava afim de me sacanear) criou uma comunidade no Orkut chamada "Eu odeio a PC", com uma foto minha na capa. Pessoas da minha sala e da sala ao lado (gente com quem eu nunca tinha trocado mais que duas palavras) entraram nessa comunidade. Quase todo dia eu ligava pro meu pai chorando, pedindo pra ele vir me buscar. Meu pai, desesperado, tentava achar uma solução com o colégio, mas nada adiantava. Me empurraram. Tentaram me humilhar na escola, no ônibus do condomínio, no meu prédio, no shopping... Morar em bairro pequeno tem dessas coisas. Briguei e fui suspensa por um dia (aliás, deixo aqui claro que até hoje eu não "briguei que nem garota" e fiquei puxando o cabelo da outra menina. Não. Isso é idiota). O que ajudava era que todos os fins de semana, eu ia pra casa dos meus avós. Lá, eu tinha amigas. Lá, eu arrumei um namoradinho que durou duas semanas. Lá, eu ria. Mas na segunda-feira, o tormento voltava.

Foi um ano bem complicado. Em um colégio gigante, eu tinha apenas duas amigas, que também não se encaixavam muito bem. A Emilly e a Manu, apesar de termos perdido o contato no ano seguinte, ajudaram a fazer dos meus recreios mais leves. A gente comprava a comida e fugia pro teatro – único lugar onde era possível ter um pouco de paz. Elas não me julgavam. Elas não me chamavam de PC. Elas me ouviam e eu ouvia elas. Tinha também o curso de inglês, onde eu conheci quem seria a minha melhor amiga/irmã no ano seguinte (e alguns anos depois). Mas, morando no mesmo bairro que todos os meus bullies e frequentando os mesmos locais (afinal, adolescente de 13 anos vai é pro shopping, já que não dá pra ir pros barzinhos ainda), eu morria de medo dela descobrir do que me chamavam. Dela se tornar um deles. Pra ser sincera, esse medo me acompanha até hoje. Conheço pessoas que estudaram anos depois com esses garotos e garotas, que são amigos de alguns deles, e eu nunca me permito me aproximar demais dessa gente.

Meu pai, Emilly, Manu e meus dias no bairro dos meus avós foram o que me impediram de virar uma Hannah Baker. Porque eu pensei, mais de uma vez até, em acabar com esse sofrimento. Em simplesmente deixar de existir. Eu tive meus 13 motivos, mas eu escolhi esperar pra ver se ia melhorar. Melhorou.

Já pra Hannah, essa escolha não valeu – assim como pra outras milhares de pessoas.

Anos depois, encontrei um dos meninos que estudavam comigo naquela escola. Eu fiquei o tempo todo nervosa, com medo de ser "desmascarada". Minha vida tava ótima, não morava mais no Brasil, tava pronta pra sair com minhas amigas e me divertir.. e ele tava ali. Eu fiquei nervosa. Suei frio. E pra que? Ele não se lembrava de mim. Apesar de ter sido uma pessoa marcante pra mim, que fez da minha vida um inferno, ser responsável por um dos traumas que eu carrego até hoje comigo... eu não fiz nenhuma diferença na vida dele. Engraçado como isso acontece, né?

Hoje em dia, não vou falar que superei tudo, que tenho um ótimo relacionamento com o meu corpo (bem vibes Selena Gomez), porque eu estaria mentindo descaradamente. Como vimos ali em cima, eu carrego traumas até hoje de todos esses episódios. Por anos eu usava dois sutiãs pra garantir que meu peito tava sempre pra cima e hoje, quando penso em fazer a minha redução, penso em botar um silicone exatamente pra lutar contra a gravidade. Cresci com problemas de imagem, nunca satisfeita com a menina que me encarava no espelho. Tudo isso por conta de pessoas que marcaram a minha vida, mas as quais eu não fui importante o suficiente pra marcar.

Não foi tudo em vão. No final, tudo o que eu passei a minha vida toda, me ensinou a ter mais empatia com os outros. No ensino médio, eu tentava ser legal com todo mundo (vai ver é por isso que no meu segundo ano eu tinha um namorado "popular",  enquanto eu mesma saía com a galera que não era tão descolada assim). Eu sempre me coloco no lugar do outro – o que é muito chato, porque faz com que eu constantemente queira chorar rs.

"Ninguém sabe ao certo o impacto que terá na vida de outra pessoa" 
(Thirteen Reasons Why)

Se tem uma coisa pra ser tirada desse textão, é apenas isso: leiam o livro. Vejam a série. Meçam suas palavras.

Não seja o motivo de ninguém e não deixe que ninguém seja uma próxima Hannah Baker.

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