SOBRE SENTIR VERGONHA NACIONAL

7 de set. de 2019



Eu nunca tive vergonha de ser brasileira.

Pelo contrário. Cresci escutando da minha mãe o quanto ela tinha vergonha do país dela, por conta de toda a roubalheira e corrupção que faz parte do nosso DNA - o famoso “jeitinho brasileiro”. Jeitinho esse que eh amava dizer que tinha, pois, apesar do mesmo ser relacionado com a malandragem do brasileiro, para mim, esse traço nosso dizia respeito ao fato de sermos um povo acolhedor com o outro; de termos sempre um tempo e um dinheiro sobrando pra tomar uma gelada no bar depois do trabalho; de nos satisfazermos com pouco; de termos um sorriso no rosto independente dos percalços que a vida trás.


Quando vim para os Estados Unidos pela primeira vez aos 14 anos, tive muita dificuldade de adaptação. Os Estados Unidos simplesmente não é o Brasil e Burlingame não é o Rio de Janeiro. Faltava de tudo: gingado, borogodó, caos, smirnoff ice (minto, isso tinha, mas eu jurava que até o sabor era diferente)! O extrema competitividade americana e o fato de nunca estarem satisfeitos com o que têm é algo que sempre me irritou na cultura deles. Algo que continua me irritando.

Eu nunca tive vergonha de ser brasileira.

Pelo contrário. Ninguém nunca tinha um “ai” pra falar do Brasil. Sempre que me perguntavam de onde eu era, eu abria um largo sorriso, levantava a cabeça e dizia: “i’m brazilian.” A pessoa em frente a mim respondia com um sorriso e então me perguntava se eu sabia sambar, jogar futebol ou conhecia o Pelé ou o Ronaldo. Apesar de ser uma péssima dançarina e jogadora, eu amava saber que eles conheciam algo da minha cultura - mesmo que fossem os estereótipos e coisas mais clichês existentes sobre o país.

Durante os meus quatro anos de ensino médio, sempre comentava sobre o futebol que não jogava e ensinava passos e letras de funk para os meus amigos. No meu último ano, tivemos que fazer uma redação de umas oito páginas e uma apresentação sobre um tema livre. Qual foi o meu tema escolhido? O Brasil, é claro! Na época, a economia brasileira estava bombando e todos os indícios apontavam de que, em breve, deixaríamos de ser emergentes e viraríamos um país “de primeiro mundo”. Meu orgulho em ser brasileira me rendeu um A naquela matéria.

Eu nunca tive vergonha de ser brasileira.

Pelo contrário. Abri mão da faculdade dos meus sonhos nos EUA e resolvi voltar para o Brasil para estudar lá. Eu ainda tinha esperança de que poderia ser parte da mudança de que tanto falavam no Brasil. Fiz um semestre de cursinho e me dei conta do quão melhor o currículo brasileiro é quando comparado com o americano. Enquanto os estadunidenses prezam pelo mais fácil, os brasileiros são obrigados a usarem suas cabeças na hora do estudo. Memorizar a fórmula do coseno, seno e tangente pra quê, quando você pode simplesmente apertar um botão na calculadora? Na hora, a gente não se dá conta do exercício que estamos dando para o nosso cérebro e como isso faz com que ele seja menos preguiçoso. 

Hoje em dia, eu tenho vergonha de ser brasileira.

Não lembro direito quando isso aconteceu, mas acho que foi quando mataram a Marielle e teve gente que fez graça da situação. Pode ter sido também quando me deparei com dados de que o Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Ou então, quem sabe, quando a Dilma sofreu o impeachment?

Eu sei que, com certeza, o estopim para mim foi quando Bolsonaro foi eleito. Tive vergonha de ser brasileira durante as eleições. Via uma bandeira do Brasil pendurada numa varanda e já tinha certeza de que a pessoa era mau-caráter. Sentia nojo da minha bandeira - a mesma era ficava pendurada na parede do meu quarto! 

Morro de vergonha agora quando perguntam de onde sou e me vejo obrigada a dizer que “i’m brazilian”. Se antes me perguntavam de samba e futebol, agora me perguntam o porquê do governo brasileiro não ter agido de imediato em relação ao fogo na Amazônia. 

Morro de vergonha de ser brasileira ao ver o prefeito da minha cidade querendo CENSURAR um livro, só por causa de um beijo gay. Morro de vergonha de ser brasileira ao ler sobre sobre como o governador do Rio está fazendo da capital um grande GTA, atirando cegamente nas favelas e fazendo dos verdadeiros cidadãos de bem vítimas de uma guerra inútil. Morro de vergonha de ser brasileira quando vejo o presidente do meus país ser mesquinho e criticar a aparência da primeira-dama de um país que até pouco tempo era aliado. Morro de vergonha de ser brasileira quando este mesmo enaltece o período mais sombrio da história do Brasil. Morro de vergonha de ser brasileira quando vejo o despreparo dos ministros que estão pouco se lixando para a população. Morro de vergonha de ser brasileira quando vejo a imparcialidade de um juiz que é visto como herói nacional. 

Morro de vergonha de ser brasileira.

E assim, eu também, morro um pouco.

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