ATÉ LOGO

20 de jul. de 2015


Hoje foi um dos dias mais difíceis da minha vida.

Graças a Deus, eu não tenho muita experiência com a morte. Eu só conhecia três pessoas que tinham falecido: meu tio-avô, o pai do meu primo e a minha cadela. Todas as vezes eu era criança e sempre fui poupada. Ficava triste, claro, mas não entendia direito o que estava acontecendo. Dessa vez é diferente. Já tenho 23 anos na cara e sinto tudo que acontece a minha volta, mesmo que esse "a minha volta" seja em outro país.

Minhas memórias de criança não são mais tão claras quanto foram um dia. Não lembro exatamente de coisas que você me falava, mas lembro perfeitamente da senhora na sua cozinha em Araruama fazendo comida. Lembro da senhora jogando o seu joguinho no sofa da sala. Lembro de falar que enquanto na casa da minha avó Therezinha, só passava Globo na TV; na casa da senhora, só passava as novelas mexicanas do SBT. Lembro de pedir nhoin-nhoin pra senhora e, depois de fazer um tempinho, a senhora chegar pra mim e falar "ah não Carolina, agora chega!" com aquela sua voz rouca de tantos anos com um cigarro entre a boca. Lembro de quando eu e a Paula pedimos para ver sua caixa de fotos uma vez e roubarmos várias fotos das nossas mães de quando elas eram crianças. Lembro de quando pedimos para ver essa caixa mais uma vez e a senhora disse "não, porque vocês vão roubar as minhas fotos!" A gente jurava que não ia fazer isso, mas aí íamos lá e fazíamos de qualquer jeito. Lembro - claro, nunca vou poder me esquecer - da senhora dando tapas na sua barriga quando tinha que soltar gases... e que gases. Não existia coisa mais típica da senhora do que isso. Todos nós sabíamos que quando a senhora dava esses três tapas na barriga, era para saírmos da sala porque ninguém aguentava.


Lembro do seu cheirinho (sempre tão perfumada), do seu toque quando a senhora "tirava piolho" da minha cabeça, de como eu admirava a tonalidade do branco dos seus cabelos (uma coisa tão fútil e tão besta, mas que agora está chegando a doer porque ninguém nunca mais vai ter essa mesma tonalidade, desse mesmo jeito). Lembro de você carregando a sua toalhinha pra cima e pra baixo, reclamando do calor que fazia no Rio de Janeiro. Lembro de reclamar porque era sempre "Não, mas o João fez isso, o João fez aquilo...". Lembro das histórias que a senhora contou pra mim, pro Juba e pra Thainá em Búzios em janeiro de 2012. Histórias de como a senhora se sentiu quando o Dermerval abandonou você sozinha com quatro filhas pra criar, de como você conheceu o pai do meu tio, de como você se sentiu quando a Tia Deise morreu.

A senhora foi guerreira até o fim. Lutou contra qualquer dificuldade que apareceu na sua porta. Criou quatro filhas sozinhas e, mesmo depois de ter sido abandonada pelo seu marido, teve coragem de tentar de novo. Se apaixonou novamente e dessa paixão nasceu o meu padrinho. Lidou com a morte precoce da sua filha mais nova e teve forças de continuar adiante. Apesar de todas as dificuldades de gênio que todas as suas filhas tinham/têm, teve fé que todos eles ainda iam voltar a se falar (porque, assim como a senhora, eles são teimosos). Não satisfeita em criar cinco filhos, ainda criou dois netos. No começo desse ano, casou uma. Apesar de falar que nunca ia passar do ano regente, a senhora era cheia de vida - mesmo com todos os problemas de saúde típicos da idade e de quem fumou por muitos anos. 


Em novembro faz dois anos desde a última vez que eu vi o seu rostinho, vó. Eu sempre fui assim, distante, esquisita, "fria" como minha mãe e meus amigos gostam de falar. A distância de mais de 2h (dependendo do trânsito) entre a capital e Araruama e o fato deu não ter carro foram as minhas desculpas em 2014.1 para eu não ter visto a senhora. Pra complicar mais ainda, eu ainda tinha o estágio e a faculdade. Mas a senhora entendia. A senhora nunca jogou isso contra mim. Sempre que estávamos juntas era uma festa. A senhora sempre soube que no fundo no fundo, por mais que eu não ligasse ou visitasse com tanta frequência, eu sempre sempre sempre amei a senhora. A senhora nunca teve dúvida disso.

Faz até sentido você ter se partido justo hoje, no dia do amigo. Afinal, não existia pessoa mais amiga e com mais amor pra dar com aqueles que você conhecia. Não existe uma pessoa nesse mundo que tenha algo ruim pra falar da senhora... por que será, né?

No final, só me resta agradecer. Obrigada por ter sido esse anjo, essa mulher guerreira e essa inspiração para todos nós. Obrigada por ser tudo que você foi, é e sempre será para os seus filhos, seus netos, seus irmãos, e seus amigos. Estaremos daqui de baixo tentando fazer a senhora se orgulhar da gente e eu sei que a senhora vai ficar, daí de cima, olhando por nós e nos guiando.


Te amo vó. Muito. Sempre. Obrigada por tudo.
Durma em paz.

Ps: Apesar de toda a minha frieza, é difícil achar uma foto aonde eu não esteja agarrada com a senhora. Meu abraço agora tem um vazio imensurável nele que só será preenchido quando nós nos encontrarmos novamente. Até logo, vó.

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